Em 1917, com 22 anos, Almada Negreiros apresentou o “Ultimatum Futurista às Gerações
Portuguesas do Século XX”. Em sua homenagem, desafiamos as gerações
portuguesas do século XXI a escreverem o seu Ultimatum. O texto abaixo é uma criação colectiva
das turmas de Artes do 11º e 12º anos. Foi produzido em Novembro de 2012. Sob a capa da ironia esconde-se uma visão atenta e profunda da nossa realidade coletiva.
No futuro, AS PESSOAS do meu País – as que não estiverem mortas - serão
famosas por serem pobres, burras, pedintes, ladras, incultas, malucas,
egoístas, falsas, parvas, obesas, materialistas, influenciáveis, obcecadas e
infelizes.
Na verdade, todas as pessoas gostariam
de ser optimistas, felizes, positivas, solidárias, sonhadoras, racionais,
sorridentes, preocupadas com os sentimentos dos outros. No meu País, todas as pessoas
poderiam ser exemplos de como é possível ser-se feliz com pouco.
No futuro AS LEIS do meu País terão como objectivo manipular, destruir,
prender, enganar, rebaixar, roubar e explorar as pessoas que irão sofrer mais.
Elas vão tirar o poder ao povo, para que as pessoas sejam mais pobres, paguem
os impostos e enriqueçam os políticos. As leis ajudarão a acabar com o que resta
do País e a torná-lo pior. A lei geral será: “come e cala-te”; “paga muito e
leva pouco”. Só existirá justiça para quem tiver dinheiro.
As leis do meu País no futuro deveriam
ter por lema ”a justiça acima de tudo”. Deveriam ser iguais para todos, ensinar
e ajudar o povo, melhorar a qualidade de vida, salvar o planeta, promover o bem
e a justiça. As leis poderiam reformular tudo.
No futuro, A FUNÇÃO DAS ESCOLAS será ensinar a comer, a plantar ervas, a
atirar folhas ao vento, a criar ratos de laboratório (e não pessoas com
valores), robots e delinquentes, cada vez mais idosos. Ela ensinará coisas
inúteis, oprimirá o pensamento, retirará toda a criatividade e instruirá cada
vez pior. A escola terá como função programar a mente do povo, ensinando o que
mais convém, para manipular as pessoas. Ela será um porto de abrigo para as
mentes oportunistas que ensinará a desenrascarem-se. A escola no futuro venderá
napolitanas a preços exorbitantes.
O ideal seria que a escola fosse mais
cativante e menos rígida, que ensinasse melhor e de forma mais criativa, coisas
úteis, organizando os tempos dos alunos, dando-lhes competências práticas para
uma vida profissional de sucesso, para que tenham um futuro melhor, para que
sejam “cultos”.
No futuro, OS GOVERNANTES do meu País serão os jovens mais estúpidos e menos
promissores de hoje; serão os patos azuis, machistas, porcos, “ciganos”, donos
de bancos, a desgraça; serão robots, gananciosos de poder, ladrões. Serão tudo
menos políticos. Serão, provavelmente, iguais ou piores, mais corruptos e
vigaristas que os anteriores (os velhos rabugentos que se acham imortais).
No futuro, os governantes do meu País deveriam
sair do povo, ser simples, generosos, honestos e cumpridores das suas
promessas.
No futuro as pessoas entenderão A VIDA como longa, inútil, repetitiva,
o maior pesadelo que não podem controlar; a vida será um sítio sombrio, uma
alma morta, uma viagem de comboio, curta, cheia de paragens e confusões; um
sofrimento, um inferno, horrível, um supermercado, uma loucura; apenas uma
sucessão de acontecimentos sem sentido; um desafio à sobrevivência porque só
trabalhamos para pagar impostos. Será apenas um jogo, um ciclo (nascer, viver,
morrer), uma coisa básica, obrigatória. No futuro, as pessoas terão saudades
daquela vida que viveram no passado e, até, de simplesmente respirar.
No futuro a vida deveria ser algo raro, único,
divertido; como uma dádiva, uma bênção, uma sorte que deveria ser aproveitada;
uma mudança constante, uma metamorfose para melhor, sem sofrimento; uma luz ao
fundo do túnel.
No futuro compreenderemos A NATUREZA como um bem de que não cuidamos
e que destruímos quando só pensamos na riqueza, nas matérias-primas, na
alimentação fast-food e criamos pessoas robots que conduziram o mundo ao
desaparecimento, à extinção.
No futuro compreenderemos a natureza
como uma dádiva que nos é oferecida, o melhor, o refúgio, o bem-estar, a “mãe”,
a parte essencial da vida na terra que devíamos observar e apreciar nos seus pormenores.
Uma simples cor, bonita, pura, fascinante.
No futuro A CIÊNCIA servirá para ganhar dinheiro, criar cada vez mais
tecnologias, vidas robóticas, máquinas do tempo, comida sintética, clones, mas
poucas coisas úteis. A ciência irá investigar o pensamento humano e criar
máquinas de tortura política. Ela criará novas formas de vida e inventará os
meios de mandar as pessoas para outros planetas. Ela tornará imortais os ricos
e os políticos.
Idealmente, a ciência deveria servir
para corrigir os erros do passado, encontrar uma forma de nos livrarmos de
tanto lixo que há na Terra e no espaço, criar um mundo novo, descobrir a cura
para certas doenças, ajudar a um desenvolvimento positivo. Ela deveria ajudar
as pessoas, servir o povo, trazer cultura.
No futuro O TRABALHO será entendido como algo inevitável, indispensável, necessário,
um dever, uma obrigação, um meio de sobrevivência, uma fonte de rendimento. Ele
causará um enorme desgaste físico e emocional porque as pessoas viverão na
escravidão. Será algo que todos desejam e não têm por causa do desemprego, uma
sorte.
Se houvesse mais justiça e igualdade, no
futuro o trabalho seria um gosto, um prazer, um passatempo, uma diversão, uma
experiência de vida que contribuiria para a nossa felicidade, uma esperança.
No futuro AS NOSSAS CASAS deixarão de ser um porto seguro: serão cavernas, cabanas,
barracas feitas de restos ou será, até, a rua nas favelas hipotecadas.
Mas elas também poderão ser casas mais
pequenas (para poupar espaço), ecológicas, automáticas, electrónicas, criativas
e dotadas de vida própria. Poderão voar, flutuar, ser transportáveis e boiar
sobre as águas. Poderão também estar no céu e serem redondas como bolas de
futebol ou, então, poderão estar de cabeça para baixo, ligadas por subterrâneos.
Elas serão únicas, diferentes e virão ao nosso encontro. Serão o nosso refúgio,
cheio de paz e harmonia; nelas existirão aqueles a quem chamamos pai e mãe.
Alguma serão casinhas de bonecas automáticas, mais bonitas e menos funcionais,
feitas para serem comidas.
No futuro A ENERGIA será importante, escassa e caríssima.
Idealmente, no futuro, a energia deverá
ser inesgotável, infinita, cor-de-rosa, de graça e provir de fontes renováveis
e não poluentes (o vento, o sol, o mar). No futuro ela poderá ser produzida
pelo cérebro, pelo pensamento, ou poderá até ser obtida a partir da comida que
comemos. Ela será utilizada para vivermos os dias da melhor maneira.
No futuro SEREMOS RECONHECIDOS COMO POVO PORQUE não teremos direitos, seremos
pobres e não teremos dinheiro para sonhar mais alto. Os outros tratar-nos-ão
como lixo. Seremos, todos iguais, loucos, ignorantes, bárbaros e revoltados; teremos
orelhas grandes, pernas, estaremos vivos, seremos a raça mais inteligente;
comeremos todos do mesmo saco.
Idealmente, no futuro, deveríamos ser
reconhecidos por sermos humanos e nos apoiarmos uns aos outros. Por sermos
pessoas civilizadas e racionais, por sermos unidos, por trabalharmos em equipa,
por termos um pensamento comum, como um só; por sermos lutadores, por termos
raça e ambição. Seremos reconhecidos pelas coisas positivas. No futuro ninguém
vai mandar em ninguém, todos seremos iguais.
POSSO CONTRIBUIR PARA O FUTURO QUANDO for mais velho, tiver 22 anos, 4
meses e 17 dias, e fugir daqui porque me revoltei a sério com esta porcaria
onde não há dinheiro nem futuro. Poderia comer mais e brincar menos, ou dar um
tiro nos políticos. Contribuirei para o futuro quando morrer e alimentar as
larvas
Idealmente, eu poderia contribuir para o
futuro se tivesse uma especialização em determinada área, uma carreira estável
e o meu próprio salário; se eu tivesse voz e fosse alguém na vida; se eu
lutasse por aquilo que acho que é importante; se o meu país implementasse uma
panóplia de oportunidades diversas que eu pudesse escolher. Se eu fizesse algo
especial, único; se eu criasse algo novo, giro, interessante;
Poderei contribuir para o futuro quando
chegar o tempo e estiver na hora, quando as mentalidades mudarem e se deixar de
ver o escuro de cada nuvem a aproximar-se. Se comesse mais e brincasse menos,
se não gastasse o dinheiro dos meus pais, se legalizassem a marijuana…
No futuro, O LEMA DO MEU PAÍS SERÁ o lema de todos os países e estará escrito em
chinês mandarim (porque os chineses vão apoderar-se do mundo e nós não
pertencemos aos EUA). Esse lema será: escravo, trabalha mais para teres menos; pobre
hoje, pobre a vida toda; sê egoísta, ama-te a ti mesmo; desenrasca-te; vive
para morrer; mata para viver ou não comes; pilha e rouba os pobres; e, se
puderes, muda de país porque aqui não vale a pena ficar. Vive rápido, morre
jovem, perde. Quem não tem dinheiro não pede empréstimos.
Seria melhor que esse lema fosse: somos
poucos mas valiosos; luta pelo teu Pais; unidos jamais seremos vencidos;
respeito, dedicação, paz e amor; aproveita a vida. Cria algo de novo. O povo é
o governo. Juntos sobreviveremos.
CONTRIBUIRAM PARA A
CONSTRUÇÃO DO MANIFESTO: 12ºE - Ana Silva, Ana Filipa Moedas, António Vila Nova, Erica Laranjo,
Inês Mártires, Letícia Domingues,
Luciana Fernandes, Pedro Nascimento, Sofia Machado, Sofia Basílio 11º E -Ana Cardoso, Ana Pedras, Daniela Cardoso, Débora Peres, Filipa Mesquita, Gabriella Gerjy, Guilherme Costa, Ion Popa, João Rodrigues, Luís Graça, Margarida Cruz, Maria Cortez, Marina Pestana, Raphael Madeira, Sandra Cruz, Séfora Molnar, Vera Pissarreira.
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