segunda-feira, 24 de junho de 2013

A legalização da escravatura

Há sempre um não sei quê de manipulação na forma como as notícias surgem ou são intencionalmente fabricadas.

Numa semana diz o noticiário:
O complexo do Alqueva deu um grande impulso à agricultura. No Alentejo há centenas de ofertas de empregos em novas explorações agrícolas. Com tanto desemprego, é difícil compreender porque é que os portugueses não aceitam trabalhar no Alqueva.

Manipuladas, as pessoas comentam, na rua, a pouca vergonha: Há trabalho aos pontapés na agricultura (o novo desígnio nacional!): os portugueses não querem é trabalhar!

- País de sornas e preguiçosos que gostam é de andar à boa vida! - Comentam os nórdicos, fazendo contas à capitalização dos juros agiotas cobrados aos seus vizinhos do sul. Repetem os governantes.

Uma semana depois diz o noticiário:
A inspeção geral do trabalho foi investigar as condições de trabalho em algumas explorações agrícolas do Alqueva. Em uma delas encontrou trabalhadores da Bulgária, da Roménia, de alguns países de leste e, até, de vários pontos da Ásia. Essas pessoas foram recrutadas por uma agência de emprego inglesa com sede em Londres. O encarregado da exploração é um inglês.
Quantas horas de trabalho realizam por semana? Pergunta o inspetor. Quarenta e oito ou mais, diz o inglês. Responde o inspetor, em inglês: Quarenta e oito? Não sei o que diz a lei inglesa mas em Portugal quarenta e oito horas de trabalho é ilegal! Está a perceber? É ilegal! O horário de trabalho em Portugal são quarenta horas por semana! E quantos dias trabalham por semana? Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo. Todos os dias? Não têm direito ao fim de semana? Não param, pelo menos um dia, para descanso? Não sei como é em Inglaterra mas em Portugal não ter direito ao fim de semana é ilegal! Está a perceber? E trabalham às vezes mais do que sete horas por dia e não recebem mais por essas horas? Se trabalharem horas a mais do que a lei determina e não recebem horas extraordinárias, é ilegal! Está a perceber? Não sei como é em Inglaterra mas em Portugal se as pessoas trabalharem para lá das horas semanais de trabalho sem serem compensadas é ilegal. Está a perceber? As horas suplementares são horas extraordinárias. E têm de ser pagas. Há vários trabalhadores sem contrato? Não sei como é em Inglaterra, mas em Portugal é obrigatório existir um contrato de trabalho. Isso é ilegal! Está a perceber? É ilegal!

Resumindo, em Portugal há situações de gritante ilegalidade nas relações laborais. E ninguém comenta, todos se calam. Isso é legal!

E eu dou por mim a pensar: Porque será que os portugueses não querem ir trabalhar nessas magníficas explorações agrícolas que há no Alqueva? Será porque são mesmo explorações a sério? Pergunto ainda: estão a recrutar trabalhadores ou escravos?

Acompanho a legislação laboral que o nossa iluminada governação vai propondo e compreendo que no Alqueva, à margem da lei, já se fazem experiências laborais com futuro: Trabalho precário, sem contrato, sem direitos pelo menor preço possível.
Ou seja, o nosso governo, passo a passo, em nome da competitividade, vai criando as condições ideais para tornar legal a escravatura.

E dentro em pouco também os inspetores do trabalho serão supranumerários e entrarão nas quotas dos excedentários da função pública. Os seus postos serão extintos porque tudo o que hoje é ilegal, por força de uma nova arquitetura legislativa, amanhã será legal.

E ninguém fará greve ao trabalho. Porque a lei vai determinar que a greve não pode prejudicar ninguém e só poderá ser feita nas horas de descanso.

Assim vai a democracia.
Podemos bater palmas que isso é legal!
 

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