quinta-feira, 20 de novembro de 2008

PROFESSORES, EDUCAÇÃO, DEMOCRACIA E DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Os professores sempre cumpriram as Leis do País. Mas quando uma alteração das Leis se revela manifestamente desadequada da realidade e é geradora de inúmeras injustiças, ferido gravemente a dignidade de uma profissão, espezinhando e brutalizando a própria condição humana, qual a posição a tomar?
Desde o princípio, os professores tentaram fazer apelo ao bom senso. Manifestaram a sua discordância e descontentamento, dentro da instituição, pela via hierárquica. Não foram ouvidos mas coagidos a cumprir a Lei.
Voltaram a discutir entre si a aplicabilidade da Lei e reforçaram novamente o seu desconforto por estarem a ser enquadrados numa Lei que não atende à especificidade das suas funções e cujos fins, referem, são meramente estatísticos e economicistas. Mandaram-nos “calar”, novamente, e voltar ao trabalho que “a Lei é para cumprir”.
Aumentou a sensação de opressão e tirania e os professores, reunidos em plenários, um pouco por todo o País, aprovaram moções de desagrado que fizeram seguir, pelas vias legais, sem sucesso. Voltaram a ser ameaçados com o cumprimento da Lei.
Ultrapassados os limites da tolerância, uma vez que qualquer diálogo é impossível e que apenas se vão ensaiando paliativos que não vão à raiz do problema, manifestaram-se publicamente de forma expressiva. Mas o muro de silêncio mantém-se, na arrogância que teima em não ouvir a voz da razão.
Não se reivindicam salários, privilégios, mordomias, ou a não avaliação, conforme querem os seus tutores fazer crer à opinião pública, porque, fanaticamente concentrados nos seus objectivos, ainda não quiseram entender o que está verdadeiramente mal. Os professores chamaram, simplesmente, a atenção do Pais para os efeitos nefastos de uma Lei desajustada, injusta, claustrofóbica que se arrisca a destruir as bases da própria democracia. É a Lei, imposta pelo Governo, com todas as suas consequências negativas, que está mal.
Porque não querem aceitar essa realidade, mantém-se a intransigente posição de força de um Governo e de um Ministério da Educação que se perderam nas malhas da própria Lei “justiceira” que elaboraram, num complique-se de modernices tecnológicas.
Se não é possível uma posição de consenso, em harmonia com toda uma classe profissional (porque são mais de cento e vinte mil os professores que se manifestam contra a arbitrariedade da Lei) qual o caminho a seguir?
Infelizmente, para todos nós, portugueses, deixamos de ter governo e passamos a ter regime. Se a governação não expressa a vontade do povo, se não tem a sabedoria de preservar e potenciar os seus valores mais elevados, qual a sua legitimidade? Se as Leis que produz se tornam motivo de opressão e subserviência, ameaçando amordaçar os próprios cidadãos, onde estão as liberdades e os direitos de cidadania?
A boa governação exige justiça e não prepotência. É evidente que não temos governo mas regime. Os governantes esqueceram-se, não sabem, ou não querem saber, que a autoridade decorre do reconhecimento das qualidades de carácter e de rectidão ética colocadas em todas as dimensões da gestão da coisa pública e não do autoritarismo imposto por via da força e da coacção, ainda que escudado na discutível autoridade da Lei. Uma coisa é a integridade, outra é a inflexibilidade doentia, apanágio das ditaduras.
Se não é possível ouvir a razão de, pelo menos, cento e vinte mil pessoas, que devem condicionar-se a uma Lei que, não aceitam como justa mas arbitrária, que posição devem elas tomar?
Esgotam-se o tempo e as oportunidades. Chegará o dia em que todo o diálogo, por mais bem intencionado que seja, será impossível. Um facto ressurge a cada dia: já não são apenas os professores que deixaram de acreditar na justiça desta governação. Não acertar o passo com a realidade, só torna a posição do governo cada vez mais insustentável, pelo descrédito crescente a que é sujeito, ao ser julgado no tribunal da opinião pública.
Falamos do mesmo País: mas uns falam do País real em que vivem e outros de um País de ficção onde tudo são rosas e maravilhas e em que só eles, pelos vistos, acreditam.
Talvez esteja na hora de nos levantarmos, não para novas revoluções que se esgotam nos jogos partidários, cada vez mais obtusos, oportunistas e interesseiros, mas para uma verdadeira e necessária evolução da nossa democracia que merece ser elevada a outro patamar de consciência.
Diante da injustiça da Lei, em consciência com os valores da democracia e da cidadania participativa que nos é negada, a solução derradeira talvez seja a “desobediência civil”, até que a Lei, que nos deve reger, se torne um padrão de justiça e de verdade, adequada ao fim a que se destina: edificar uma escola pública de reconhecida qualidade, humanizada, livre, aberta, universal, onde se formem os protagonistas da nova sociedade.

Ele diz que já passam fome!

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

E A DEMOCRACIA?

Há muitos anos, nunca me passaria pela cabeça que estaria a escrever estas linhas. Sinto muita dificuldade em aceitar este estado de coisas a que ainda chamamos teimosamente “democracia”. Acreditava ingenuamente que a ditadura nos tivesse trazido importantes lições para o futuro exercício da liberdade. Respeito, tolerância, diálogo, justiça, paz social, eram alguns dos conceitos que a democracia implicava. Em vez disso, vive-se, hoje, num ambiente degradado, tóxico e corrosivo de arbitrariedades e violências de toda a sorte. Alguns chamam a isso as “reformas necessárias”, mas é difícil estender o que sejam essas “reformas” que ao retirarem-nos o pouco que tínhamos nos espoliam de toda a esperança no futuro. Chocante é, sobretudo, a destruição de todas as marcas de solidariedade e justiça social.
Se chamamos “democracia” a um sistema de saúde que trata as pessoas como objectos, que distribui reformas de miséria, que impede o acesso das pessoas à justiça, que nos oprime a todos com cargas fiscais insuportáveis, que nos retira, a cada dia, não só a dignidade de um salário justo como os mais básicos direitos de cidadania, como posso chamar a isso, em consciência, democracia?
Sei que os nossos governantes não sabem como resolver a crise. Compreendo que seja difícil encontrar soluções. O que não posso aceitar é a mentira, cada vez mais descarada, com que nos vão iludindo, todos os dias, para manterem a nossa confiança e destruírem a nossa integridade.
Se a sociedade a que pertencemos nos é indiferente; se consideramos que é inútil todo o esforço, todo o sacrifício, todo o trabalho por uma causa comum (porque todas as causas nobres, todos os projectos de solidariedade humana estão perdidos); não é possível que estejamos a viver em democracia.
Este estado de coisas, e de alma, é um grande equívoco que ninguém deseja porque nos incomoda no mais profundo das nossas consciências. É tremenda, esmagadora a nossa impotência diante desse abismo que nos engole. Creio que choramos lágrimas de sangue sempre que proferimos a palavra “democracia”.
Não sei se o pesadelo passará tão cedo. Sei apenas que não posso mentir aos meus filhos sobre a realidade de opressão em que vivemos. Tenho ainda o sonho, ou a esperança, de que, ao lembrar-lhes a história dos mártires e heróis do progresso humano, de todos os que derem a vida por um futuro de verdade, justiça e paz, talvez permaneça viva uma pequena réstia de luz iluminando os nossos passos.