quarta-feira, 19 de novembro de 2008

E A DEMOCRACIA?

Há muitos anos, nunca me passaria pela cabeça que estaria a escrever estas linhas. Sinto muita dificuldade em aceitar este estado de coisas a que ainda chamamos teimosamente “democracia”. Acreditava ingenuamente que a ditadura nos tivesse trazido importantes lições para o futuro exercício da liberdade. Respeito, tolerância, diálogo, justiça, paz social, eram alguns dos conceitos que a democracia implicava. Em vez disso, vive-se, hoje, num ambiente degradado, tóxico e corrosivo de arbitrariedades e violências de toda a sorte. Alguns chamam a isso as “reformas necessárias”, mas é difícil estender o que sejam essas “reformas” que ao retirarem-nos o pouco que tínhamos nos espoliam de toda a esperança no futuro. Chocante é, sobretudo, a destruição de todas as marcas de solidariedade e justiça social.
Se chamamos “democracia” a um sistema de saúde que trata as pessoas como objectos, que distribui reformas de miséria, que impede o acesso das pessoas à justiça, que nos oprime a todos com cargas fiscais insuportáveis, que nos retira, a cada dia, não só a dignidade de um salário justo como os mais básicos direitos de cidadania, como posso chamar a isso, em consciência, democracia?
Sei que os nossos governantes não sabem como resolver a crise. Compreendo que seja difícil encontrar soluções. O que não posso aceitar é a mentira, cada vez mais descarada, com que nos vão iludindo, todos os dias, para manterem a nossa confiança e destruírem a nossa integridade.
Se a sociedade a que pertencemos nos é indiferente; se consideramos que é inútil todo o esforço, todo o sacrifício, todo o trabalho por uma causa comum (porque todas as causas nobres, todos os projectos de solidariedade humana estão perdidos); não é possível que estejamos a viver em democracia.
Este estado de coisas, e de alma, é um grande equívoco que ninguém deseja porque nos incomoda no mais profundo das nossas consciências. É tremenda, esmagadora a nossa impotência diante desse abismo que nos engole. Creio que choramos lágrimas de sangue sempre que proferimos a palavra “democracia”.
Não sei se o pesadelo passará tão cedo. Sei apenas que não posso mentir aos meus filhos sobre a realidade de opressão em que vivemos. Tenho ainda o sonho, ou a esperança, de que, ao lembrar-lhes a história dos mártires e heróis do progresso humano, de todos os que derem a vida por um futuro de verdade, justiça e paz, talvez permaneça viva uma pequena réstia de luz iluminando os nossos passos.

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