domingo, 16 de junho de 2013

O mal não é da escola, é do estado

Nas escolas portuguesas há
crianças a passar fome porque os salários dos seus pais são de morrer à fome;
algumas já não tomam banho em casa porque lhes cortaram a água;
outras não fazem pesquisas porque tiveram de vender os computadores e desligar o telefone;
outras não têm livros nem materiais didáticos porque não há subsídios de férias e natal
e os impostos são formas legais de roubo que comem o mais que podem dos rendimentos familiares.

Nas escolas portuguesas,
tal como na sociedade portuguesa,
há crianças e estudantes que perderam todos os direitos conferidos a uma criança.
E essas crianças e estudantes são cada vez mais a maioria,
fabricada pela falência generalizada de toda a economia.

Sobre elas não se escuta uma palavra de simpatia do governo,
do ministério da educação, dos comentadores políticos.
E porquê?
Porque a causa do mal não é a escola, é o estado.


Nas escolas portuguesas há
funcionários que já não ganham decentemente para pagar as despesas mensais.
Há gente desesperada, suicida, a enlouquecer de medo, raiva, ódio, sem futuro.
Se estão doentes, não têm dinheiro para ir ao médico.
Adoecem e morrem na antecâmara da morte que é a escravidão do seu trabalho,
sem reconhecimento, sem compreensão, sem estímulo.
Tratados como alimárias excedentárias que podem ser exploradas à revelia de todos os direitos.
São simples números que constam numa folha de Excel.
Todos os dias, invariavelmente, essa gente que desembrulha sandes à hora do almoço,
que destapa caixas de plástico com sopa,
já paga para trabalhar.
E sofre todos os dias a brutalidade de quem os espezinha.
E carrega, invisível, ao pescoço, uma corrente de escravatura que apaga todos os seus direitos.

Sobre eles não se escuta uma palavra de simpatia do governo,
do ministério da educação, dos comentadores políticos.
E porquê?
Porque sabem de o mal não é da escola, é do estado.


A escola portuguesa tem
filhos de pais de todas as condições sociais e estratos económicos.
Mas também
filhos de pais imigrantes que se esforçam por ter vidas dignas,
filhos de gente humilde e laboriosa que tem honra,
e filhos de pais desempregados em desespero,
filhos de famílias desestruturadas que perderam tudo e vivem da caridade,
filhos daqueles a quem o futuro foi definitivamente negado
por políticas suicidas de empobrecimento generalizado.
Sobre essas famílias cujos filhos estudam na escola pública,
casos que todos os dias entram pelas portas das salas de aulas com os seus fantasmas,
nem uma palavra de simpatia se escuta do governo,
do ministério da educação, dos comentadores políticos.
E porquê?
Porque sabem que o mal não é da escola, é do estado.


Nas escolas portuguesas há
professores à beira da insolvência,
que já não compram livros, não leem, não estudam, não se informam
porque não já ganham para ter acesso à cultura e ter conhecimento.
Esses professores estudaram, tiraram cursos superiores, licenciaram-se.
Entre eles há gente com mestrados, doutoramentos, pós-graduações.
Gente com trabalhos relevantes que contribuiu para o progresso do país.
Gente que dinamizou as áreas da cultura, das ideias, das artes, do associativismo, do desporto;
Gente que foi exemplo para muita gente
e que ajudou a construir comunidades mais humanizadas e progressistas.
Essa gente é enxovalhada, menorizada, desprezada, desqualificada e, sobretudo,
tratada como mentecapta e incapaz
por uma elite inculta e presunçosa, cúmplice de gente gananciosa e pérfida,
fechada numa redoma de intolerância e protegida por batalhões de guarda-costas.
São os mais qualificados do país e tratam-nos como lixo,
com o mesmo respeito com que tratam a cultura, a história, a arte, a filosofia, o pensamento
e todos aqueles que, por mérito próprio, sem compadrios, se destaquem da sua pomposa mediocridade.
Porque a escola, dizem esses génios do neoliberalismo predador,
deverá ter como função prioritária, apenas, produzir mão-de-obra qualificada para as suas empresas.
Mão-de-obra barata, escrava e subserviente que não saiba pensar e tudo aceite sem reclamar.

É sobretudo porque nas escolas ainda há massa crítica, pensamento independente,
prática democrática e sentido de liberdade que se deve destruir a escola pública.

Quem assim pensa estupidamente cai num erro de consequências devastadoras:
a destruição da escola é o princípio irreversível da implosão cultural de um país.

É assim que pensam
porque sabem que o mal não é da escola, é do estado.

 

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